Agora no Bahia, Zé Roberto foi vítima de racismo no Sul
O futebol gaúcho carrega em sua história diversos episódios de racismo que remetem ainda à primeira metade do século passado, quando atletas negros eram proibidos de jogar no Internacional e Grêmio, o que originou a Liga dos Canelas Pretas, um campeonato paralelo realizado em Porto Alegre. Com o tempo, o time tricolor, até por suas origens, assumiu a postura de equipe dos descendentes de europeus, enquanto o rival colorado virou o time do povo. Apesar de fazer parte do passado, as ofensas persistem nos cânticos, nos quais os torcedores do Inter são chamados de "macacada", além de episódios de racismo dentro e fora dos campos contra jogadores de ambos os times.
Em entrevista durante a apresentação no Bahia, nesta semana, o meia Zé Roberto disse que deixou o Internacional, time com o qual tinha contrato até 2013, porque seu filho foi vítima de racismo na escola. "Eu não gosto nem de falar muito sobre isso. Mexeu muito comigo, com a família. Foi o que mais fez com que eu deixasse o Inter", confessou. Na final do Campeonato Gaúcho de 2011, o jogador foi alvo de outra manifestação racista, quando a torcida gremista imitou o som de macacos ao ouvir o seu nome durante uma substituição.
O meia Tinga também sofreu o mesmo tipo de ataque em 2006, em um jogo do Internacional contra o Juventude, pelo Brasileiro. Cada vez que pegava na bola, a torcida imitava o som de macaco. Hoje, ele prefere não falar mais sobre o episódio. Jogadores gremistas também já foram alvo de racismo. Ainda em 2006, Jeovânio Rocha do Nascimento foi alvo de uma ofensa racista após uma entrada forte do então zagueiro do Juventude Antônio Carlos, que deixou o campo esfregando a mão no braço, referência racista à cor da pele do adversário. Hoje no Santa Cruz, o jogador prefere não falar mais sobre ao assunto.
'Preto filho da p****'
A frase acima foi a ofensa racista ouvida pelo jogador Glauco Simonelli Venancio, quando defendia o Ypiranga de Erechim (RS), após pedir a bola do gandula em uma partida contra o Santa Maria. "Estávamos perdendo o jogo por 3 a 2. Quando eu fui pedi a bola para o gandula, ele não queria dar, daí eu falei pô, me dá rápido, então o preparador de goleiros estava do outro lado da grade daí ele falou: 'preto filho da p***' e me chamou ainda de macaco".
A frase acima foi a ofensa racista ouvida pelo jogador Glauco Simonelli Venancio, quando defendia o Ypiranga de Erechim (RS), após pedir a bola do gandula em uma partida contra o Santa Maria. "Estávamos perdendo o jogo por 3 a 2. Quando eu fui pedi a bola para o gandula, ele não queria dar, daí eu falei pô, me dá rápido, então o preparador de goleiros estava do outro lado da grade daí ele falou: 'preto filho da p***' e me chamou ainda de macaco".
"Não sou eu que vou conseguir acabar com isso, porque sempre vai existir, mas é difícil, porque você está ali, lutando pelo pão de cada dia, para dar um futuro para a sua família. Quando aconteceu isso, minha filha estava presente, e quando chegamos em casa ela veio me perguntar: 'pai, por que você está chorando, o que foi que aconteceu?' Mas naquele momento eu não podia falar. Inclusive, um dia ela chegou para mim e disse: 'pai, por que eu nasci moreninha, então?' Eu respondi que era porque Deus quis assim", lembra.
Apesar da fama, o Grêmio tem na sua Calçada da Fama o ex-jogador e hoje vereador de Porto Alegre Tarcisio Flecha Negra. Ele diz que nunca sofreu nenhum tipo de preconceito: "nunca senti, até hoje, nenhum tipo de preconceito por ser negro". No entanto, admite que a torcida do Grêmio se referir aos colorados como "macacada" extrapola os limites.
"Eu acho que extrapola um pouco, eu não sei... Quando cantam aquilo para o Internacional, o torcedor tem direito, desde que não agrida fisicamente qualquer outra torcida que seja, mas cantar, gritar, botar faixa, todos nós temos direito de reivindicar... Acho que aqui já se está acostumado, os colorados chamam o Olímpico de chiqueiro, e os colorados são chamados de macacada lá (no Beira-Rio)", diz ele, referindo-se ao combate como algo local, que não é muito bem compreendido por outros Estados brasileiros.
Ele diz que quando chegou ao Estado, em 1973, ficou reticente com a história do clube. "Havia a história de que o Grêmio era um time onde não jogavam negros, mas depois vieram o Tesourinha, Juarez, Alcinho e Paulo Lumumba", enumera. Para ele, a restrição estava relacionada à proximidade com a Argentina e Uruguai, além do Rio Grande do Sul ter recebido muitos imigrantes da Polônia, Alemanha e Itália. "Os negros foram para a Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, se veem poucos aqui. Então na história teve muito racismo, só que hoje eu não vejo muito isso".
Já o advogado, ex-radialista e profundo conhecedor do futebol gaúcho Antonio Carlos Cortes é bastante crítico quando à conotação racista embutida na batalha entre as duas torcidas. Ele afirma ainda que o Rio Grande do Sul é o Estado mais racista do Brasil. "Até recentemente, em grenais realizados no Olímpico, a torcida do Grêmio estendia um faixa dirigida à torcida do Internacional com a inscrição: 'a maior macacada do Rio Grande do Sul'".
Ele lembra ainda o episódio da contratação do centroavante Christian pelo Grêmio. "Ele estava nas sociais do Grêmio com toda a família, amigos, dando autógrafos. Quando o Inter entrou em campo, a torcida do Grêmio começou a imitar macacos, e segundo registro de jornais da época, ele (Christian) foi afundando na cadeira porque dentro de campo tinha o Roger, Tinga, Douglas, todos negros...", conta.
Paulo Cézar Lima, o Caju, atleta que ganhou notoriedade no Botafogo e fez parte da Seleção Brasileira de 1970, relata também o racismo que encontrou no Rio Grande do Sul na década de 60. Ele relata no livro Fala Crioulo, do Aroldo Costa, o seguinte:
"Quando passei a excursionar com o Botafogo comecei a sentir o racismo pelo interior do País. Uma das coisas que mais me chocaram foram as tabuletas que encontramos em bares e restaurantes que encontramos em Bagé, Santana do Livramento e Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, onde dizia: proibida a entrada de negros. Nós éramos cinco ou seis jogadores negros, Jairzinho, Moreira, Leônidas, Zequinha e, para nós, o aviso tinha o efeito de uma punhalada no peito. A gente então imaginava como não deveria ser a vida de crioulo local, marginalizado e humilhado por aquelas tabuletas de m... Aí, só de bronca, entramos no peito e na raça só para ver se acontecia alguma coisa e a gente criava logo um sebo, mas como nós éramos conhecidos, fingiam que não viam a cor da gente'", diz Cortes, ao ler um trecho da publicação.
"O Rio Grande do Sul é o Estado mais racista de todo o Brasil. Isso é evidente. A cada momento ocorrem situações terríveis. Tanto que você não encontra treinadores negros. Tem as exceções, mas exceção confirma a regra. Eu dizia para Escuro (Escurinho, ídolo colorado morto no ano passado) que aquela cabeça que resolvia dentro de campo, que até mudava o que o treinador determinava, não servia para ficar na boca do túnel", afirma.
Ele acusa os dirigentes de serem coniventes com as manifestações racistas das torcidas. "Existe certo fingimento de que não se sabe de nada nas direções dos clubes, porque muitas vezes, com a torcida votando nas eleições dos clubes, os dirigentes não querem se indispor com as torcidas. Ou será que a torcida ao seu bel prazer estende a faixa lá? A direção poderia dizer tira isso daí (...) há setores, torcidas que dizem que tem uma alma castelhana, renegam a alma brasileira. Quando argentino chama o brasileiro de macacada, é no sentido amplo e atinge o brasileiro de um modo geral, porque aqui tem uma maioria negra. Mas o sentido é agressivo e ofensivo dentro desta realidade que existe".
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