sábado, 16 de fevereiro de 2013

A IMPORTÂNCIA DA PESQUISA NO CURSO DE DIREITO

 

Júlio da Silveira Moreira
Professor do Curso de Direito das Faculdades Alfa, em Goiânia, e da Faculdade Montes Belos, em São Luiz de Montes Belos (GO). Mestrando em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Universidade Católica de Goiás.

Este artigo busca responder à pergunta sobre qual é a importância da pesquisa no curso de Direito, dentro de um contexto formado pela indagação sobre qual é a importância do ensino superior para a sociedade brasileira. Tratam-se de questões que não podem ser desligadas da situação real em que se encontram os cursos jurídicos atualmente e o modelo de ensino por eles adotado.

Essa reflexão parte de algumas finalidades da Educação Superior estabelecidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96): “estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo” (art. 43, inciso I); “incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive” (art. 43, inciso III); “promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação” (art. 43, inciso IV).

Dali se podem extrair algumas premissas fundamentais: os estudantes e professores devem vivenciar, no dia a dia, um espírito científico e um pensamento reflexivo; devem-se desenvolver práticas de pesquisa que sirvam à transformação social, ou seja, “o entendimento do homem e do meio em que vive”; por fim, o conhecimento desenvolvido nas faculdades deve ser socializado não só entre os estudantes, mas tendo a sociedade como destinatária, a qual também deve ser envolvida na construção das práticas acadêmicas.

A necessidade de estreita ligação entre o curso superior e a sociedade também pode ser extraída dos princípios da Educação nacional em geral, donde se percebe que a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber” (art. 3º, inciso II) deve estar voltada para a “vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais” (art. 3º, inciso XI).

Acontece que esses princípios legais, assim como os direitos fundamentais da Constituição, estão longe de ser plenamente realizados. Afinal, o modelo de instituições de ensino superior estabelecido na referida lei, e aplicado em sucessivas políticas educacionais, parece estar em contradição com seus próprios princípios.

O fato é que nunca será demais afirmar que os cursos de Direito precisam produzir pesquisa, afirmação que vem junto com a reflexão sobre com qual tipo de pesquisa os acadêmicos devem se ocupar.

Em 1919, o filósofo e revolucionário peruano José Carlos Mariátegui já criticava o perfil da educação superior, com importantes questionamentos:
“Quem explica os problemas políticos, econômicos e sociais da sociedade contemporânea? (...) Nossos catedráticos parecem estar vivendo à margem, sem contato, sem comunicação com a atualidade europeia e americana. Parecem viver à margem dos novos tempos.” (Mariategui, 1919)

A inquietação com o modelo de ensino acima apresentada, e a aspiração de mudança a partir da pesquisa, são muito bem explicadas por Paulo Freire, em sua Pedagogia do Oprimido, em que esse educador refere-se à modalidade predominante no ensino como “educação bancária”, fazendo uma comparação com um banco que recebe depósitos de clientes. Nesse caso, o banco seria o educando, e os depósitos, as verdades transmitidas pelo educador, a serem guardadas e arquivadas pelos educandos.

“Em lugar de comunicar-se, o educador faz ‘comunicados’ e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção ‘bancária’ da educação.” (Freire, 1985, p. 66)

Aplicando essa concepção ao curso de Direito, o Professor Sérgio Rodrigo Martinez sintetiza que:

“Criam-se, assim, fornadas de profissionais ‘bancários’ do Direito, seres robotizados, com atuação limitada a aplicar as regras do Direito (im)posto ao caso concreto. Ou seja, repetir o depósito mental ideológico ‘formatado’ durante as aulas de graduação.” (Martinez, 2009)

Tércio Sampaio Ferraz Jr. também critica essa concepção de educação, praticada nas faculdades de Direito como:

“(...) reprodução de teorias que parecem desvinculadas da prática (embora não sejam), ao lado de esquemas prontos de especialidade duvidosa, que vão repercutir na imagem atual do profissional como um técnico a serviço de técnicos.” (Ferraz Jr., 1979, p. 70)

Em contraponto, Paulo Freire aponta uma concepção educacional de problematização e diálogo, em que o estudante é levado a pensar sobre as questões estudadas no curso:

“O importante, do ponto de vista de uma educação libertadora, e não ‘bancária’, é que, em qualquer dos casos, os homens se sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão do mundo, manifestada implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros.” (Freire, 1985, p. 141)

Discutir o seu pensar; refletir sobre os conceitos e instituições jurídicas e criticá-las. Não há dúvidas de que a prática da pesquisa é uma ponte consistente para guiar o estudante de um aprendizado bancário a um aprendizado libertador.
Nesse contexto, os passos de estudo da Metodologia do Trabalho Científico, a elaboração da monografia (trabalho de conclusão de curso), os estudos e debates durante sua elaboração, e, especialmente, a coroação dos esforços com a defesa perante uma banca examinadora são momentos fundamentais da passagem por um curso de graduação em Direito.

A elaboração de projetos de pesquisa e de artigos de opinião ou artigos científicos, enfim, o desenvolvimento da prática de expressar ideias após uma reflexão, e de fazê-lo de maneira concatenada por meio da escrita, são práticas importantes em qualquer período do curso, independentemente de que essa produção esteja relacionada à monografia de final de curso.

Isso significa que a pesquisa deve estar presente em qualquer fase do curso, na cabeça do estudante e, como um pressuposto óbvio, na cabeça do professor.

É preciso realçar, nesse contexto, a importância das atividades que estimulam a iniciação científica. O estudante que se interessa pela pesquisa desde os primeiros períodos do curso tem muito mais condições de fazer a monografia de maneira menos artificial e dolorosa – como parece ser para muitos estudantes que não se habituaram nem compreenderam o significado da pesquisa. Muito mais que isso, o estudante pesquisador chega com mais condições à Pós-Graduação e ao Mestrado, em um contexto em que se atribui grande importância à continuidade dos estudos.

Muito já se falou que o ensino superior deve ser sustentado na indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão. O que é ensino hoje necessariamente foi pesquisado por alguém. Assim, pode-se analisar a participação de cada um desses elementos no processo: a pesquisa como produção e desenvolvimento do saber (movimento que vai do concreto ao abstrato); o ensino como socialização do saber (mobilização); e a extensão como a aplicação transformadora da pesquisa e do ensino sobre a sociedade (movimento que vai do abstrato – conhecimento – ao concreto – transformação social).

Portanto, que tipo de pesquisa deve ser posta em prática? Não há dúvidas de que a pesquisa deve ser voltada para problemas reais da população.

A concepção legalista quanto ao Direito e à corrupção das instituições jurídico-políticas de nosso país, como heranças de uma formação de Estado escravocrata, colonial e burocrática, repercutem em um ambiente de ensino e prática jurídica desligados das necessidades básicas do povo. No ambiente jurídico, os apelos à garantia dos direitos fundamentais – que são conquistas das lutas populares – limitam-se a constar em frias doutrinas ou em discursos de políticos interessados em ascensão pessoal.

Com essa realidade, o estudante pesquisador tem em suas mãos a possibilidade de ir fundo na crítica, examinar os conceitos e as instituições jurídico-políticas brasileiras, atacar os elementos autoritários e até mesmo feudais em que ainda estão imersas essas instituições; denunciar de maneira científica as medidas arbitrárias, a desigualdade, a tortura, a repressão, a situação carcerária, as “reformas” constitucionais, a supressão de direitos, a corrupção, entre inúmeros outros temas que podem ser objetos de pesquisa.

O pesquisador transformador pode e deve invocar temas de direitos humanos em qualquer disciplina do curso, bem como ter em foco a luta popular por democracia ao longo dos anos.

“discutir o seu pensar; refletir sobre os conceitos e instituições jurídicas e criticá-las. não há dúvidas de que a prática da pesquisa é uma ponte consistente para guiar o estudante de um aprendizado bancário a um aprendizado libertador.”

A reflexão pode, inclusive, desembocar na ousadia de se discutir questões sobre as quais a doutrina jamais estabeleceu respostas definitivas, e assim contribuir para um debate universal sobre os problemas do Direito. As correntes de pensamento mais avançadas são, sem dúvida, aquelas que têm em foco os direitos humanos e a solução dos problemas do povo.

A interdisciplinaridade, ou seja, a vinculação entre vários ramos do Direito, e a associação do Direito aos demais ramos do conhecimento, como a História, as Ciências Políticas, a Psicologia, entre outros, também se tornam um diferencial na pesquisa jurídica.

Portanto, a postura do pesquisador, desde a escolha do tema, até a defesa de seu trabalho, deve ser a de interação com o sujeito/objeto pesquisado, seja ele qual for. Trata-se da interação entre pesquisador e pesquisado, que Paulo Freire demonstra acontecer em dois momentos: a inserção no contexto da pesquisa e a emersão com a organização dos resultados. Essa interação significa que o pesquisador está sinceramente preocupado com o problema que se propõe a pesquisar, e, ao apresentar os resultados, pretende que esses resultados sejam uma contribuição relevante para a transformação do problema constatado.

“Simplesmente, não posso pensar pelos outros nem para os outros, nem sem os outros. A investigação do pensar do povo não pode ser feita sem o povo, mas com ele, como sujeito de seu pensar. E se seu pensar é mágico ou ingênuo, será pensando o seu pensar, na ação, que ele mesmo se superará. E a superação não se faz no ato de consumir idéias, mas no de produzi-las e de transformá-las na ação e na comunicação.” (Freire, 1985, p. 119)

Assim, fica demonstrado que o ensino superior, e, dentro dele, a pesquisa, muito têm a contribuir para transformar o País. A pesquisa em Direito ganha uma importância especial quando é feita de maneira a criticar as instituições; passar de uma mera interpretação gramatical e sistemática das leis para uma vinculação crítica entre a lei, as instituições jurídicas e políticas e suas repercussões para a sociedade – e propor mudanças. 
 
BIBLIOGRAFIA
FERRAZ JR, Tércio Sampaio. O Ensino Jurídico. Encontros da UnB: ensino jurídico. Brasília, 1979, pp. 67-72.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

MARIATEGUI, José Carlos. Crisis de maestros y crisis de ideas. Disponível em:
. Acesso em: 07 set. 2009.

MARTINEZ, Sérgio Rodrigo. Práxis dialógica e cooperação: proposições de um novo paradigma para o ensino jurídico. Disponível em: . Acesso em: 07 set. 2009.
 
Fonte: Revista Prática Jurídica 

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