Há pelo menos 174 canais católicos, que competem entre si, e 97 evangélicos.
Quando adquiriu a Rede Record, no início dos anos 90, a Igreja Universal do Reino de Deus abriu o caminho para um luta selvagem entre as igrejas pela conquista de espaços na radiodifusão. Há pouca visibilidade sobre a extensão desse fenômeno na Amazônia porque católicos e evangélicos registram as emissoras em nome de empresas e de fundações criadas especificamente para receber as outorgas dos canais.
O primeiro desafio para a identificação dos canais religiosos é a comprovação do vínculo formal com a igreja, através da busca de documentos em cartórios e juntas comerciais. Esses documentos mostram que pelo menos 16% das retransmissoras de TV existentes na Amazônia Legal estão ligadas a igrejas. São 174 canais católicos e 97 evangélicos.
O mapeamento reflete apenas os canais que estão formalmente vinculados a denominações religiosas. Segundo os profissionais de radiodifusão, o número real seria bem maior, pelo fato de existirem muitos canais em mãos de evangélicos por meio de contratos de arrendamento ou adquiridos sem registro em cartório. Como a legislação só admite a venda de emissoras com prévia autorização do governo e do Congresso Nacional – processo que pode durar vários anos –, as vendas são feitas por documentos particulares, os “contratos de gaveta”.
Das 271 outorgas de retransmissão de TV da Amazônia Legal formalmente vinculadas a denominações religiosas, 64% são da Igreja Católica, que, no entanto, não tem uma estratégia de ação unificada no setor. São várias correntes católicas autônomas que avançam de forma desordenada e superposta na radiodifusão.
Os registros da Anatel mostram um dado curioso: o governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, foi o que mais favoreceu o avanço das igrejas na radiodifusão na Amazônia Legal. Ele autorizou a outorga de 90 retransmissoras para grupos católicos e 49 para denominações evangélicas. Seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, autorizou 76 canais católicos e oito evangélicos na região.
Poderio católico
A Igreja Católica tem três emissoras com cobertura nacional – Rede Vida, TV Aparecida e Canção Nova –, além de emissoras regionais e locais que competem entre si. A de maior força dentro da Amazônia Legal é a TV Nazaré, mantida pela diocese de Belém do Pará. A emissora, regional, possui 76 canais autorizados a entrar em funcionamento e está presente em nove Estados.
A primeira rede católica de alcance nacional foi a Rede Vida. Ela nasceu em 1995, em resposta ao avanço evangélico. Não pertence oficialmente à igreja, mas ao empresário João Monteiro Barros Filho, de São José do Rio Preto, em São Paulo, que obteve a concessão no governo do ex-presidente José Sarney. Graças à influência da CNBB, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Rede Vida obteve outorgas de retransmissão em todo o país.
As dioceses financiaram a implantação da maioria das retransmissoras da Rede Vida e algumas, inclusive, são donas dos canais. No Acre, sete retransmissoras estão em nome da Fundação Verdes Florestas, da diocese de Cruzeiro do Sul. A de Benjamin Constant, no Amazonas, pertence à Vice-Província dos Capuchinhos do Amazonas e Roraima. E a de Barreirinhas, também no Amazonas, está em nome da Fundação Evangelii Nuntiandi, da diocese de Parintins.
Surgida em 1998, a TV Canção Nova se tornou a segunda emissora nacional católica. Ela pertence ao Movimento da Renovação Carismática, possui 16 retransmissoras na Amazônia Legal e está presente nas capitais de seis Estados.
Terceira emissora católica de cobertura nacional, a TV Aparecida tem quatro retransmissoras na Amazônia, em Palmas, São Luís, Belém e Manaus. Os canais estão em nome do Sistema TV Paulista, adquirido pelo Santuário de Aparecida em maio de 2007. A empresa pertenceu ao apresentador Gugu Liberato e tem retransmissoras em 19 Estados. Conforme foi noticiado à época, o negócio custou R$ 15 milhões à igreja.
A TV Terceiro Milênio, da diocese de Maringá, caminha para ser a quarta emissora católica de cobertura nacional. Ela registrou duas empresas – Rádio e Televisão Landell e Rádio e Televisão Novo Mundo –, que receberam retransmissoras de TV no Pará (Parauapebas e Marabá) e Rondônia (Ji-Paraná).
Evangélicos
maior rede evangélica de retransmissão de TV dentro da Amazônia Legal é a Rede Boas Novas, da Assembleia de Deus no Amazonas, presidida pelo pastor Jônatas Câmara. Por meio da Fundação Evangélica Boas Novas, a igreja possui uma emissora geradora de TV em Manaus, o canal 8, e 11 retransmissoras, que cobrem as capitais de Tocantins, Roraima, Amapá, Maranhão, Rondônia e Mato Grosso.
A Assembleia de Deus do Amazonas possui mais 57 retransmissoras no estado em nome da empresa Cegrasa, a Central de Emissoras, Gravações e Repetidoras Ajuricaba. A igreja também é proprietária de uma geradora em Porto Velho, o canal 6, por meio da empresa RBN – Rede Brasil Norte de Televisão.
pastor RR Soares, fundador e líder máximo da Igreja Internacional da Graça de Deus, detém 23 retransmissoras de TV na Amazônia Legal por intermédio da Televisão Cidade Modelo. Os canais cobrem as capitais de Tocantins, Amazonas, Amapá, Rondônia, além da capital e parte do interior de Mato Grosso, Pará e Maranhão.
A Igreja Sara Nossa Terra possui uma emissora geradora educativa em Brasília, o canal 30E, e já obteve cinco retransmissoras na Amazônia Legal registradas em nome de três empresas – Rádio e TV Sul Americana, Rádio e TV São Paulo e Comunicações Dunamis – e da Fundação Sara Nossa Terra. As duas primeiras têm endereço em São Paulo e os sócios são os bispos Atílio Beraldo, Felipe Beraldo e Aparecida Paspardelli Beraldo. A Dunamis é de Belo Horizonte, está registrada em nome de um pastor e em seu endereço funciona um escritório de contabilidade.
Igrejas evangélicas pouco conhecidas trilham o mesmo caminho. A empresa Amazônia Rádio e Televisão, dona do canal 7 de Santarém, no Pará, pertence ao presidente da Igreja da Paz, Geraldo Bastos Filho. E a Kake TV, proprietária do canal 57 de Pimenta Bueno, em Rondônia, está em nome das filhas do ex-vereador e pastor da Igreja Betel Apostólica Josafá Xavier Oliveira.
O avanço adventista
O rápido avanço da Igreja Adventista do Sétimo Dia na disputa por espaços na radiodifusão tem levantado questionamentos sobre seus métodos de obtenção de retransmissoras de TV, dentro e fora da Amazônia Legal. A igreja, cuja origem nos Estados Unidos remonta ao século 19, possui uma concessão de televisão educativa, a Rede Novo Tempo, na cidade paulista de Pindamonhangaba. A outorga foi autorizada por Fernando Henrique Cardoso em 2000.
A Fundação Setorial de Radiodifusão Educativa de Sons e Imagens, com sede também em Pindamonhangaba, é dona da concessão, e quem a administra é a Rede Novo Tempo. Ambas são comandadas por dirigentes da igreja. A partir da geradora Novo Tempo, os adventistas têm usado vários recursos para montar uma malha de retransmissoras com cobertura nacional. A estratégia passa por cooptar prefeituras que tenham canais ociosos.
A prefeitura de Canarana, no Mato Grosso, está entre as que se renderam ao canto de sereia dos adventistas. Em junho de 2011, o então prefeito Walter Lopes Faria assinou um contrato de comodato com a Fundação Setorial, transferindo para ela o direito de uso por cinco anos do canal 6. O empréstimo foi autorizado previamente pela Câmara dos Vereadores, por lei municipal. Além de ceder gratuitamente o canal, a prefeitura paga a energia elétrica consumida pelo retransmissor e disponibiliza um técnico para fazer a manutenção dos equipamentos.
O modelo de Canarana é replicado em municípios como Mãe do Rio, Monte Alegre, Mãe Maria, Alenquer e Marabá, no Pará, e Barra do Garças e Pontes de Lacerda, no Mato Grosso.
A igreja orienta os pastores a agir de acordo com as regras do Ministério das Comunicações e da Anatel. Mas, em Peritoró, cidade maranhense da região dos Cocais, a reportagem constatou o funcionamento do canal 16, da TV Novo Tempo, sem outorga. Na entrada da cidade, um outdoor anuncia a retransmissora.
Flávio Santos Lemos, 28, diretor da Igreja Adventista local que se apresenta como “ancião” do templo, diz que a TV foi inaugurada em dezembro de 2013 e usa antena da prefeitura.
A Fundação Setorial ingressou com centenas de pedidos de outorgas de retransmissão de TV no ministério. Os processos começaram a chegar ao conhecimento público no final de 2014, quando uma força-tarefa do ministério agilizou a análise dos pedidos para a Bahia. A fundação levou 89 do total de 267 canais outorgados para o Estado.
A rápida expansão da Rede Novo Tempo gerou reação no Congresso Nacional. No dia 15 de dezembro de 2014, o então deputado federal Ruy Carneiro, presidente do diretório estadual do PSDB na Paraíba, apresentou à Câmara um requerimento pedindo explicações ao Ministério das Comunicações sobre “possíveis irregularidades” na concessão de canais de retransmissão à Fundação Setorial.
O requerimento alega que a fundação desbancou as maiores redes nacionais, incluindo Globo, Record, Bandeirantes e RedeTV, que disputavam os mesmos canais. Diz ainda que haveria “fortes indícios” de tratamento privilegiado à entidade.
Tito Rocha, gerente de Expansão da TV Novo Tempo, confirmou as parcerias da Fundação Setorial com as prefeituras, dentro e fora da Amazônia Legal, mas diz que a igreja não concorda com a implantação de canais sem outorga, como foi constatado em Peritoró. “Quando tomamos conhecimento, mandamos fechar”, disse ele. Segundo Rocha, a televisão é “um dos carros-chefes do evangelismo”, o que explica o empenho das igrejas por novos canais.
Competição entre católicos
Há uma competição não declarada na Amazônia Legal entre as televisões católicas, que disputam tanto a audiência quanto o apoio das dioceses. Maior emissora católica da região, a TV Nazaré se considera a única de fato educativa, por não faturar com a venda de comerciais como suas “coirmãs”. Ela vê a Rede Vida como uma TV comercial, que transfere custos para as dioceses.
Como o cobertor é curto, e todas bebem da mesma fonte, faltam recursos à TV Nazaré para completar a implantação de sua rede. Ela ainda não instalou 39 canais de retransmissão que recebeu do Ministério das Comunicações em 2004. Está com a faca no pescoço: se não completar a implantação, poderá perder as outorgas.
A diocese de Belém recebeu a concessão da emissora geradora da TV Nazaré em 2000, por decreto do e então presidente Fernando Henrique Cardoso. Os estúdios, a redação e administração da emissora funcionam na Fundação Nazaré, em um prédio amplo no centro de Belém.
Na entrevista a seguir, o diretor de Comunicação da Fundação Nazaré, Mário Jorge Alves, faz uma avaliação franca da disputa entre emissoras católicas na Amazônia Legal. Funcionário aposentado do Banco do Brasil, ele ocupa o cargo desde 2008, como voluntário.
Como é a relação da TV Nazaré com suas retransmissoras?Nós damos a elas a possibilidade de terem até três horas diárias de produção local, como prevê a legislação. No momento, temos 40 retransmissoras implantadas sob administração das dioceses, mas não sei quantas produzem conteúdo próprio.
Vocês deixam a produção local por conta das dioceses?Exatamente. Elas têm de criar as condições para gerar conteúdo local: estúdio, câmera. Não fazemos estes investimentos.
Vocês podem veicular comerciais?Não. Nossa concessão é educativa, e a legislação só nos permite receber apoio institucional.
Qual é a diferença, na prática, entre o apoio institucional e a propaganda?Entendemos que o anúncio incentiva o consumo. O apoio institucional não permite falar de produto ou de preço. Só divulga o nome da empresa.
Qual é a estrutura da Fundação Nazaré?Temos 70 funcionários efetivos e vários voluntários. A estrutura atende à rádio Voz de Nazaré e à TV, onde produzimos um jornal diário ao meio-dia. Nossa missão é a evangelização. O forte do nosso conteúdo é religioso e cultural.
Os jornalistas têm de ser católicos?Não, mas nós respiramos o catolicismo 24 horas por dia. Os não católicos entram e depois de um tempo desistem.
Como a TV sobrevive financeiramente?Uma fonte de receita é o aluguel de espaço na nossa torre de transmissão para empresas de telefonia celular em Belém. Temos as contribuições dos fiéis e os apoios institucionais do Estado, de prefeituras e de empresas, que estão sofrendo com a crise econômica. Nossa folha de pagamentos está em dia, mas estamos reduzindo o quadro salarial.
Por que a Rede Nazaré não instalou todos os canais que possui?São as dioceses que arcam com a infraestrutura e algumas não querem ou não podem arcar com o investimento.
Quanto custa instalar uma retransmissora?Numa cidade pequena, de até 80 mil habitantes, o custo total, incluindo a torre, sairia por volta de R$ 77 mil. Se já existir uma torre no local, o investimento cai para um terço desse valor.
Este investimento inclui a infraestrutura para produção de conteúdo local?Não. Isso é só para colocar o canal no ar. A implantação de um estúdio custaria mais R$ 30 mil a R$ 40 mil.
A TV Nazaré dá suporte técnico às dioceses?Sim. Nós enviamos o técnico para colocar a emissora no ar. Mas as despesas de deslocamento e de estadia do técnico ficam por conta da paróquia.
A Igreja Católica tem várias redes de televisão. Há uma divisão territorial ou elas competem entre si?Nós somos uma emissora educativa. A Rede Vida e a Canção Nova são emissoras comerciais. Temos uma dificuldade adicional.
A Rede Vida compete com a TV Nazaré?Sim, com certeza. A competição não é pela geração de conteúdo – ela não tem produção local –, mas pelo apoio financeiro. As paróquias pagam a energia consumida pela retransmissora da Rede Vida, e não instalam o canal que lhes ofereceremos. Eu pergunto: por que custear a Rede Vida sem gerar conteúdo local se temos um canal disponível para eles gerarem?
A energia é o maior custo fixo da retransmissora?No caso das que não geram conteúdo local, sim: cerca de R$ 800 por mês. Muitas dioceses usam o custo da Rede Vida como argumento para não instalarem os canais da TV Nazaré.
O senhor disse que a TV Nazaré tem 39 canais de retransmissão que ainda não foram implantados. Ela corre o risco de perdê-los?Sim, o prazo de implantação dado pelo Ministério das Comunicações se esgotava no final de 2015. Temos um outro desafio que é digitalizar os canais já implantados. A migração para o digital deve custar R$ 200 mil por canal, no interior. Estamos falando de R$ 8 milhões de investimento. Vivemos um momento delicado.
Como pretendem financiar este investimento?Estamos buscando doações da própria igreja, no exterior, como foi feito em 2003, quando a Conferência Episcopal Italiana nos doou recursos para implantar as retransmissoras no interior.
Vocês fiscalizam o conteúdo gerado pelas retransmissoras?Não, mas o contrato é bem claro. O conteúdo tem de ser compatível com a legislação das TVs educativas e com a igreja.
Como o senhor vê a ação das igrejas evangélicas em relação à radiodifusão na Amazônia?Os pastores são muito agressivos. Acredita que somos assediados por evangélicos interessados em comprar nossos canais que não estão no ar? Recebemos muitas propostas. O conselho curador da Fundação Nazaré já determinou que nenhuma proposta pode ser aceita.
Por que a TV se tornou tão importante para as igrejas?Porque é um instrumento muito forte de evangelização e de aumento de arrecadação de dízimo. E é um meio muito eficaz de convidar o fiel para a missa.
Fonte: GS Notícias.
Realmente esta assim!
ResponderExcluirMuito bom o post!
ResponderExcluirExcelente publicação!
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